terça-feira, novembro 22, 2005


O arrogante cultural

Parece-me evidente que "convém ter na Chefia do Estado alguém que conheça a História e a cultura do nosso país". É o mínimo que se pode pedir a um Presidente da República: que conheça o que representa. Isso não significa que o dito não possa ser médico, engenheiro electrotécnico (safa!) ou agricultor de formação. Um percurso estudantil dito técnico ou científico não implica penúria de conhecimentos em matéria de História e cultura maternas.

Não é crível que Soares – ao afirmar algo evidente (mais do que convém, exige-se) - estivesse a inferir inferioridade cavaquista pela cátedra específica. Nem que estivesse a postular a superioridade da licenciatura em História ou em Direito sobre o doutoramento em Economia, como habilitação literária para um Presidente da República. Estava, obviamente, a insinuar que, como pessoa, o rival é fraquinho nas questões de identidade nacional. Habilidades de quem tem a luta política na massa do sangue. Aliás – e estou à vontade para o afirmar… não vou por aí - o octogenário tem mais sentido de estratégia numa bochecha do que todos os outros candidatos juntos dos pés à cabeça. Por seu turno, os simpatizantes de Cavaco acusaram o toque com o jogo de cintura de virgens ofendidas, clamando arrogância cultural alheia e, assim, dando de barato a ignorância de sua dama.

A história do coitadinho, é ignorante e pouco polido pois teve de "encornar", em regime de exclusividade, as sebentas de macroeconomia porque a família não pertencia à média burguesia urbana (ao contrário da de outros e leia-se aqui um acusador dedo em riste) e, se não tivesse boas notas na faculdade, recambiava-o - ai, desgraçado! - para as minas de sal de Boliqueime é absurda. Se Cavaco é ignorante em questões de história e cultura portuguesas e em regras sociais, opção dele. Nem a família era destituída, nem uma pessoa com o seu percurso estudantil e profissional tem justificação para só se interessar por um único tema na vida. Se o fez, só revela estreiteza de ideias. O que, num indivíduo que frequentou e leccionou em boas universidades, com uma carreira de prestígio, remunerações bastante razoáveis e acesso aos meios necessários para se enriquecer pessoalmente, não é condição, é escolha. Estupidamente arrogante, por sinal.


Turner


Giudecca, La Donna della Salute and San Giorgio [Daqui]

Para quem tiver 15 a 20 milhões disponíveis, será leiloado a 6 de Abril na Christie's de Nova Iorque. Para os demais, está em exibição na Christie's de Londres até 15 de Dezembro.
Suspiro fundo.

quinta-feira, novembro 17, 2005


Alegre ma non troppo

A dinâmica parece-me um tudo-nada estática.

quarta-feira, novembro 16, 2005


‘allo, ‘allo, c’est moi, Mariô

Uma candidatura tem sempre de ter apoderados ao largo. Não nas hostes, que isso compromete o candidato. De preferência pessoas aparentemente pouco engajadas, que possam vir dizer, com um módico de credibilidade, aquilo que na boca do candidato é uma barbaridade. Ora, onde estava o apoderado de Soares? É que esta do seu prestígio internacional fazer com que meio mundo lhe atenda o telefone é tão, mas tão fátua…

terça-feira, novembro 15, 2005


Um comício chuvoso

Fui a um comício de Cavaco Silva. Aconteceu no adro de uma sede do PSD, que o candidato será indepen-qualquer-coisa, mas não é parvo. Chovia a tonéis. O político amador vestia uma gabardina cinzenta apertada até aos sobrolhos, que lhe emprestava uma expressão facial bastante expressiva. Comparativamente. E assim expressivo chegou, discursou e deu às de Vila Mariani - para desapontamento da população, que esperava mais dos foguetes - depois de cumprimentar meia dúzia de celebridades locais e, image oblige, dois populares. Era no país real e, naturalmente, havia comes e bebes, pelo que os comiciados ficaram pragmaticamente a comer e beber no molhado. O que, vendo bem, estava conforme à mensagem política do orador que antecedera. Ademais o candidato podia ser pouco afável, mas salvavam-se as bifanas. E o discurso, perguntam vocelências, que não se perdem com pormenores de torresmos e entremeada… pois disse que não estava ali para comentar as outras candidaturas e que a sua era serviço público. O que levou a assistência a concluir que as demais eram serviços privados. Aliás, a assistência já suspeitava: na zona, quem é laranja está servido na coisa pública e os outros servem-se em privado. Também disse que provinha de origens humildes. E fez uma pausa para os aplausos, mas sem grande sucesso: em terra de enxada, os gasolineiros são capitães da indústria, pelo que a mole de guarda-chuvas não alcançou de imediato que o candidato estava a querer ombrear. Disse ainda que sabia o que era ser povo. Eu aqui adjectivava, mas não sei se tenho direito. Afinal, só me desloquei mesmo pelas pataniscas. Nós, povo, somos cá uns garganeiros…

quinta-feira, novembro 10, 2005


Uma campanha alegre

Para a apresentação do manifesto eleitoral de Manuel Alegre não respondi ao conhecido apelo "traz um amigo também".

Diga-se, em abono da verdade, que teria sido desnecessário esse meu gesto, até porque, entre as cerca de oitocentas pessoas que enchiam a sala, a alegria contagiava-se e a amizade desenhava sorrisos nos olhos de um qualquer desconhecido.

Antes das palavras de Manuel Alegre – já divulgadas através da imprensa –, pude ouvir a apresentação do mandatário José de Faria Costa, que não tenho o direito de adjectivar.

Só posso – e devo – redimir-me de não ter levado "… um amigo" trazendo aqui e partilhando convosco, meus amigos, essa sua mensagem.

Leiam-na, porque hoje "…é preciso um país" mas, a partir de dia 22 de Janeiro, podemos consegui-lo.



Caras Amigas, Caros Amigos

Permiti-me que comece por uma pergunta, que é tudo menos retórica: por que razão estamos aqui?

Estamos aqui porque, convictamente, apoiamos a candidatura de Manuel Alegre à Presidência da República. Convicção, por conseguinte, que — sustentada em livre e desinteressada decisão — nos dá a segurança de que, sem resto, não paira em nenhum de nós a presunção balofa de um qualquer protagonismo. O que queremos — e disso não abdicamos enquanto exercício de cidadania — é ajudar, com o nosso empenho, dedicação e tenacidade Manuel Alegre a alcançar a Presidência da República. Nada mais nos move. Nada mais nos anima. De sorte que o que nos move e anima seja, pois, a prossecução de um dos mais altos valores que a Democracia pode gerar. O valor da participação consciente, crítica e interventiva nas decisões que tocam o nosso destino colectivo.

Estamos aqui para, como cidadãs e cidadãos de corpo inteiro, dizermos que, se é verdade que a Democracia se faz nos e pelos sindicatos, associações cívicas e partidos políticos, não é menos certo afirmar que ela se realiza em plenitude também pelo contributo individual de cada um de nós. Se realiza, outrossim, pela ideia profunda da autónoma e pessoal assunção de cidadania. Mais ainda. Poder-se-á mesmo sustentar que uma democracia é tanto mais reveladora de forte intensidade ou potencial ético político quanto mais os seus membros participarem activa, individual e convictamente na coisa pública. Na res publica.

E se isto é deste jeito quanto olhamos para o jogo da participação política na sua globalidade mais reforçado sai — se necessário fora — o que se acaba de ponderar quando olhamos a eleição do Presidente da República.

Com efeito — é o próprio texto constitucional que o diz — "as candidaturas são propostas por cidadãos eleitores". O que mostra que político constitucionalmente o que se articula preferencialmente no quadro da luta política que se desenha neste especial segmento é a participação individual dos cidadãos.

Estamos aqui porque em tempos de soberania limitada — com tudo o que isso implica de complexo, difuso e inagarrável e até, em muitas circunstâncias, de teatro de sombras — temos a certeza de que com Manuel Alegre na Presidência da República haverá um garante da independência nacional e da unidade do Estado. O que não é de somenos. E não o é, porquanto na inevitável redefinição estratégica global dos Estados — ou o que deles restar — a afirmação de Portugal passa, no seio da comunidade internacional, pela defesa da identidade que se abra à radical aceitação da diferença dos outros. Sem dúvida alguma e de maneira irrecusável. Mas isso não pode permitir que se esmague o que é o nosso património espiritual. O que é a nossa identidade plural.

Estamos aqui porque temos a certeza de que Manuel Alegre será sempre o ponto de equilíbrio — não do equilíbrio passivo ou desmesuradamente expectante — para que tudo se processe dentro do "regular funcionamento das instituições democráticas", com uma compreensão historicamente aberta do que isso possa significar no momento.

O seu passado. O seu pretérito passado — que me escuso aqui de exaltar, na medida em que, neste contexto, o seu aparente esquecimento é a forma mais nobre de o elogiar e admirar — e o seu passado presente são prova inequívoca daquilo que vimos de afirmar. Manuel Alegre tem o senhorio do sentido da justiça como coisa própria e beneficia da virtude da penetração analítica aliada ao golpe de asa que faz com que os problemas dos homens e das instituições possam sempre ser resolvidos de forma clara e serena.

Estamos aqui porque sabemos, de ciência certa, que Manuel Alegre poderá dar aquele suplemento de alma tão necessário neste momento da nos-sa vida comunitária. E poderá fazê-lo não por qualquer mágica de tonalidade ou conhecimento economicista mas antes porque percebe, como poucos, o que caracteriza e aquilo em que se desdobra o nosso modo de ser colectivo.

Manuel Alegre conhece, em síntese, o nosso mais profundo pulsar e isso, queiram no ou não, é um atributo, uma qualidade que reforça a nossa mais íntima convicção de que Manuel Alegre é a escolha certa, neste momento histórico, para o dificílimo cargo de Presidente da República de Portugal.

Estamos aqui todos, sem excepção — e aqui incluo também e obviamente Manuel Alegre -, em luta política naquilo que ela tem de mais genuíno e verdadeiro. Em luta política por ideias. Por princípios. Por causas.

E se cada um de nós — na variedade e multiplicidade das nossas profissões e dos nossos mesteres, o que só mostra que a paixão política está viva e bem viva, o que é preciso é tão só fazê la despertar — na sua irrecusável autonomia só se representa a si próprio — daí que eu, agora, só simbolicamente represente esta Comissão —, é com algum grão de temeridade — que as minhas Colegas e os meus Colegas de Comissão de Honra me perdoarão ou relevarão — que lhe digo, em representação de todos, Manuel Alegre: bem haja por ter ousado candidatar-se.

Estamos aqui, pois, cada um e todos, pelas razões que se foram desfiando. Estamos aqui, com os pés assentes na terra e armados da mais cortante das racionalidades, o que implica a consciência das dificuldades, por certo. Mas estamos também aqui porque ao acreditarmos que a política se pode fazer com esses atributos, somos também crentes fiéis de que ela se deve e pode também levar a cabo com "um pouco mais de sol" com "um pouco mais de azul". E mesmo que não sejamos "brasa" ou "além", somos cidadãs e cidadãos de Portugal. E isso basta-nos.

quarta-feira, novembro 09, 2005


A sentinela

Once upon a time vindimei para os lados da Bourgogne. Há cada vez menos camponeses, até em França, e mesmo nas regiões agrícolas ricas, pelo que as vindimas são feitas com recurso a universitários em busca dum pé de meia para o início do ano escolar ou a viajantes de mochila às costas a precisar de fundos para completar o tour de France. Isto proporciona grupos curiosos, em que aos velhos agricultores curtidos pelo sol de muitas eiras se juntam bandos multinacionais de putos sempre em festa. No "meu" grupo havia vários australianos, neozelandeses, norte-americanos, suecos e alemães, dois portugueses (há sempre um português em todo o lado, lá dizia Oliveira de Figueira) e, claro, bastantes franceses. Entre os últimos, três rapazes de dezoito a vinte anos, descendentes de imigrantes magrebinos.

Andavam sempre juntos. O que nem seria de todo invulgar, muitas pessoas procuram no estrangeiro o que lhes é familiar, caso da maioria dos estudantes norte-americanos, por exemplo, que se relacionava preferencialmente entre si ou com a fast food mais próxima. Mas a trindade era formação cerrada e não estava no estrangeiro: tratava-se de jovens franceses, por nascimento e escolaridade, que nunca haviam posto pé nas aldeias tunisinas dos seus antepassados e, mesmo assim, num cenário de descontracção e jovialidade, precisavam de cobertura.

Para além de se deslocarem em estilo siamês, tinham também reacções a três vozes: um misto de insolência néscia com frontal cobardia em relação a figuras de autoridade, uma ambígua relação de admiração (camuflada) e desafio (à distância) em relação aos que viam como machos alfa do grupo, um fascínio lascivo pelas putaines, que eram todas as mulheres, obviamente. Em suma, três tipos muito cansativos e tão desinteressantes que os tinha esquecido.

Até agora, que os subúrbios começaram a arder. E vem-me à memória o mais peculiar dos detalhes: apesar não interagirem com o mundo, os três rapazes iam a todas as festas, a todos os bares, a todas as farras. Onde se embriagavam estupidamente, como muitos adolescentes nas primeiras surtidas das peias familiares. No entanto, havia sempre um que não bebia. E não, não era o condutor designado, tudo ficava perto e se fazia a pé. Também não era sempre o mesmo, um qualquer abstémio militante: a sobriedade rodava entre eles. Ou seja, basicamente, tinham um vigia de turno. Coisa essencial em território inimigo.


Smart is as smart does

A lost manuscript by the composer Ludwig van Beethoven has been discovered - and it's going to be sold for over one million dollars. When he heard that Beethoven had written a manuscript, President Bush said, 'That dog can do anything!'

Conan O’Brien, Late Night with Conan O’Brien

terça-feira, novembro 01, 2005


Miudezas

Manuel Alegre gostou da forma como Pacman cantou a sua "Trova do vento que passa" e convidou-o para mandatário para a juventude. Pacman gosta da "história de Manuel Alegre", que "além de tudo é poeta", por isso aceitou. Raramente se encontra tanta sintonia política entre mandante e mandatário.

No Iraque, uma criança de doze anos é o último bombista suicida. Islão, quantos crimes...

Em Madrid, nasceu Leonor, infanta de Espanha e, em consequência, a lei constitucional vai ser alterada, deixando o Reino Unido e o Mónaco como os únicos regimes monárquicos europeus que discriminam o sexo feminino. Como se já não lhes bastasse um anacronismo.

E na Rússia morreram treze frangos, engripados. Molotov, anyone?