O arrogante cultural
Parece-me evidente que "convém ter na Chefia do Estado alguém que conheça a História e a cultura do nosso país". É o mínimo que se pode pedir a um Presidente da República: que conheça o que representa. Isso não significa que o dito não possa ser médico, engenheiro electrotécnico (safa!) ou agricultor de formação. Um percurso estudantil dito técnico ou científico não implica penúria de conhecimentos em matéria de História e cultura maternas.
Não é crível que Soares – ao afirmar algo evidente (mais do que convém, exige-se) - estivesse a inferir inferioridade cavaquista pela cátedra específica. Nem que estivesse a postular a superioridade da licenciatura em História ou em Direito sobre o doutoramento em Economia, como habilitação literária para um Presidente da República. Estava, obviamente, a insinuar que, como pessoa, o rival é fraquinho nas questões de identidade nacional. Habilidades de quem tem a luta política na massa do sangue. Aliás – e estou à vontade para o afirmar… não vou por aí - o octogenário tem mais sentido de estratégia numa bochecha do que todos os outros candidatos juntos dos pés à cabeça. Por seu turno, os simpatizantes de Cavaco acusaram o toque com o jogo de cintura de virgens ofendidas, clamando arrogância cultural alheia e, assim, dando de barato a ignorância de sua dama.
A história do coitadinho, é ignorante e pouco polido pois teve de "encornar", em regime de exclusividade, as sebentas de macroeconomia porque a família não pertencia à média burguesia urbana (ao contrário da de outros e leia-se aqui um acusador dedo em riste) e, se não tivesse boas notas na faculdade, recambiava-o - ai, desgraçado! - para as minas de sal de Boliqueime é absurda. Se Cavaco é ignorante em questões de história e cultura portuguesas e em regras sociais, opção dele. Nem a família era destituída, nem uma pessoa com o seu percurso estudantil e profissional tem justificação para só se interessar por um único tema na vida. Se o fez, só revela estreiteza de ideias. O que, num indivíduo que frequentou e leccionou em boas universidades, com uma carreira de prestígio, remunerações bastante razoáveis e acesso aos meios necessários para se enriquecer pessoalmente, não é condição, é escolha. Estupidamente arrogante, por sinal.